quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PRECONCEITOS EM RELAÇÃO AOS SEM-TERRA - Eliminando preconceitos arraigados indevidamente na sociedade, pela classe dos ruralistas e pelas elites, contra os sem-terra - Requerimento para que os acampados tenham prioridade no preenchimento de vagas em assentamentos - Ano 2002 e ano 2012 - Acampamento do MLST em São Carlos-SP - Trinta famílias lutando por seu direito à terra - Vagas em Pradópolis - As famílias dos sem-terra desejam morar ao lado de seus animais e plantações - Declarações pessoais de Luiz Spinola como um novato acampado em 2002 e observador imparcial da verdadeira natureza dos sem-terra e dos preconceitos ainda reinantes em muitas classes da sociedade - Dirimir, eliminar, diminuir preconceitos e dificuldades de aceitação e implementação do direito à terra e da reforma agrária - Dez anos depois, em 2012, ocorre uma situação similar : um outro grupo, em São Carlos, recebe convite do INCRA para ocuparem vagas no mesmo assentamento de Pradópolis !!

"O cálido amanhecer ou o pôr do sol reconfortante....",
valorizados pelos acampados sem-terra.
Aguarde melhorias na formatação e adição de mais fotos

Interessante coincidência !!
O texto a seguir é uma carta escrita em 2002 e enviada à Comissão de Julgamento e Seleção para preencimento de vagas existentes no assentamento de Pradópolis, pequena cidade próxima a Ribeirão Preto-SP. Após 10 anos, em 2012, o INCRA oferece às famílias de um outro acampamento, o  Acampamento 3 de Janeiro e a outros acampados em São Carlos-SP, a oportunidade de preencherem vagas existentes no mesmo assentamento - Pradópolis !!
Obs : Na época, em 2002, foi feita uma nova edição, melhorada, a qual foi encaminhada com 20 cópias aos presentes na reunião da Comissão de Julgamento e Seleção, em Pradópolis-SP. Infelizmente, esta nova edição ainda não foi encontrada.
O texto abaixo apresenta pequenas melhorias em relação ao original encontrado, escrito à mão.

Meses finais de 2002 :
IMPRESSÕES DE UM NOVO ACAMPADO
Expresso-me por escrito, através desta, para expor-lhes minhas primeiras impressões como novato acampado. (Aproximadamente 30 famílias, coordenadas pelo MLST, ocuparam a beira da rodovia que liga São Carlos a Itirapina, em frente às terras públicas arrendadas à Ripasa, produtora de Eucaliptos. Luiz, a Sra. Oclebis e filhas, eram a única família de São Carlos. As outras vieram da região noroeste e oeste do estado de São Paulo.)
Venho da cidade, como muitos daqui, deixando um passado de inteira participação nos objetivos da sociedade brasileira. Quando aqui me instalei, juntamente com minha atual família, ocorriam-me várias conclusões que logo se confirmaram.
Eu vinha de fora e a visão que me passavam os meios de comunicação era de que "o povo dos sem-terra" eram pessoas desordeiras, preguiçosas e que não respeitavam os direitos alheios. Desconfiei destas falsas noções e logo certifiquei-me :

DESORDEM E DESRESPEITO, QUASE NADA
De mais de mil acampamentos, talvez nem 1% do total, apresentavam problemas de desordem e desrespeito à propriedade alheia. Porém, a mídia sempre estava lá, à espreita de um mínimo deslize de alguém ou de um grupo dentre a grande maioria ordeira e respeitadora dos vários movimentos sem-terra. Mesmo os de ações mais ousadas e radicais, poucos entre eles partiam expontaneamente para atitudes socialmente condenáveis.
Mas a visão que os meios de comunicação me apresentavam (e a todos os brasileiros) era diversa daquela que existe na realidade. Infelizmente, ainda é assim.

UM DOS PRIMORDIAIS DIREITOS : A TERRA
Confirmei, desta forma, aqui, em convivência com os mesmos, que os sem-terra, em quase sua absoluta maioria, desejam mesmo é um lugar no campo onde possam, em tranqulidade, morar, cultivar seus próprios alimentos e criar seus animais produtivos e de estimação. Desejam também, cada um a seu modo, ajudar na luta para que a sociedade e as autoridades reconheçam um dos primordiais direitos do ser humano. : "O direito à Terra", onde se viver e trabalhar, assim como o seu insubistituível direito ao ar, à água e à luz do sol, dons de Deus e da natureza.

PESSOAS SIMPLES QUE VIVENCIAM A AUTO-PRODUÇÃO
Outra confirmação para a qual eu necessitava reafirmar era a de que os sem-terra eram pessoas de natureza simples, mesmo aqueles que provinham de camadas sociais mais elevadas. Buscavam, embora sem qualquer sistematização, a realização dos princípios da "auto-produção". É o que comumente, entre os ambientalistas, se chama de auto-sustentabilidade. A auto-produção, para o indivíduo e para a família, representa as bilhares de celulas, sem as quais a tão propalada sustentabilidade de grupos sociais mais numerosos não se concretiza. O conceito de sustentabilidade, compreendido em toda sua gama de aplicação passa, necessariamente, pelo princípio da auto-produção do indivíduo e da família. Sem esta base, celular e estruturante, não é possível a realização de qualquer projeto de sustentabilidade que se integre à natureza holística deste conceito. (podem ter sucesso somente projetos isolados).
Em conclusão : Os sem-terra não são uns "mandriões indolentes", como muitos em seus fumacentos e barulhentos veículos nos entitulam, gritando covardemente da rodovia.

UMA VIDA SIMPLES E EM SINTONIA COM A NATUREZA
"Nós vamos buscar a lenha;
nós a rachamos;
suas achas são acomodadas em um canto;
nós acendemos o fogo, energia que vem gratuita do céu....
e com ele cozinhamos nossos alimentos.
Fazemos nossos sabões e esquentamos a água com a qual tomamos banho.
A maior parte da água que usamos é coletada da chuva, outra graça do céu !!
Nós improvisamos nossa luz noturna com latinhas de alumínio e óleo de cozinha usado.
As nossas casas são simples, de lona ou de madeira reutilizada ou pouca cortada, sem danificar a mata, mãe e vizinha. A madeira, outro dom do céu e do sol, nas árvores frondando...."

OS SEM-TERRA POLUEM MUITO MENOS
Com estas e muitas outras ações do dia a dia, nós poluimos centenas de vezes menos que as pessoas das cidades.
Dispensamos o excesso de indústria, juntamente com toda a sua parafernália, pois felizmente não temos recursos para tal, embora o sol cálido da manhã, verde e viva, e o entardecer ruborizado, bucólico e relaxante, sejam nossos maiores prazeres.
O nosso parco dinheiro, o encaminhamos para as necessidades básicas, especialmente dos enfermos, das mulheres e das crianças. Às vezes, nos deixamos levar por algum mínimo supérfluo. Afinal, somos humanos !!

NÃO SÃO PREGUIÇOSOS
Os sem-terra não são preguiçosos, pois além de produzirem muito do que consomem, trabalham por seus direitos e trabalham pelos direitos de milhares de outras pessoas que um dia usufruirão dos seus benefícios, quando tais direitos forem reconhecidos em sua amplitude e devidamente regulamentados.
Todas estas ações - reflitam bem senhores e senhoras - não são, tanto os cansativos(como os de auto-produção) como as atividades sociais...., não são a forma mais pura e produtiva de trabalho ?....Os direitos humanos, vivenciados hoje por milhões que moram nas cidades, não existem graças à luta trabalhosa e persistente de pioneiros e ativistas do passado ? !!....Certamente que sim !!
Além disto, vejo à minha volta homens e mulheres das mais diversas profissões, além de sua aptidão à terra, que trabalham em serviços avulsos para complementarem suas rendas.

OS SEM-TERRA SÃO UM MODELO ALTERNATIVO PARA A SOCIEDADE FUTURA
Querem ver mais, membros desta importante comissão, as implicações outras que destas realidades se depreendem ? Vocês tem em suas mãos, diante dos seus olhos, um pequeno modelo para uma sociedade futura verdadeiramente mais feliz, justa e harmonica com as leis da natureza. Os sem-terra são este modelo, embora eles próprios não tenham completa consciência desta potencialidade. Um protótipo, tanto de vida comunitária, como de forma de administração, como de seus sistemas produtivos. Não são modelos perfeitos, mas com certeza são muito melhores que o falido modelo de concentração industrial, comercial e consumista das cidades. Os sem-terra são, por intrínsica natureza, um exemplo de solução para os problemas sociais e ambientais, que por ora apenas se iniciam para as sociedades humanas.
Querem relegá-los a um segundo plano ? Justamente aqueles que dedicaram suas vidas em sofrimentos, privações e desesperanças debaixo das lonas ?....Creio firmemente que vocês não farão isto !!

VER COM VOSSA SABEDORIA INTERNA
Portanto, senhores e senhoras, membros da comissão julgadora, recorro à vossa consciência política, social e espiritual, a fim de que, do íntimo dos vossos seres, possais compreender e ver - com vossa própria sabedoria interna - os argumentos que relaciono abaixo e que são, a meu ver, argumentos concludentes de que os acampados sem-terra não devem ser discriminados e merecem receber preeminência sobre os outros inscritos e candidatos aos lotes vagos.

COMO PROVAR A PREFERÊNCIA
1° Para tudo o que se deseja e quer, há que se provar que este desejo maior, ou vontade, deve se expressar por ações que o confirmem. O ato de acampar e em meio a dificuldades aguardar junto aos órgãos públicos uma merecida vaga, é a maior evidência e prova de que, além do desejo, possue-se a vontade férrea e a determinação persistente de se conseguir um pedaço de terra para sua vida individual ou familiar.
Um mero preenchimento de um formulário de inscrição não é necessáriamente uma prova que o pretendente quer ou merece realmente a terra, com vontade e pureza de intenção, embora tenhamos completo respeito ao direito de qualquer cidadão requerer um lote de terra ao Incra.
Enfim, os acampados sem-terra são aqueles declaradamente interessados que, nas beiras das estradas ou debaixo de suas lonas, lançam ao mundo o seu apelo de liberdade : "Devolvam-nos, pelo amor de Deus, o nosso pedaço de chão, porque nós somos os seus legítimos e preferidos guardiões" !!

REFORMA AGRÁRIA AMPLA E IRRESTRITA
2º Aguardamos ansiosamente o dia quando haverão lotes disponíveis a todos os que pretenderem morar na terra e cultivar seus próprios alimentos, sem distinções e extremadas restrições. Na terra, além dos alimentos, o homem do campo encontra outras atividades produtivas que o preenchem com recursos e alegrias.
Porém, como atualmente (e infelizmente) as oportunidades de se conseguir um lote de terra são ínfimas, vejo-me na difícil tarefa de sugerir-lhes parâmetros de seleção a candidatos. Creio que esta emérita comissão também se sente constrangida e indecisa, pois certamente desejam os senhores e senhoras designarem lotes a todos os interessados, tanto apenas os inscritos como os acampados.

LUTAM TAMBÉM POR MAIS JUSTIÇA SOCIAL
Ou ainda, entendendo melhor, desejaríamos, todos, que nem houvesse a necessidade de se criar uma comissão de seleção a fim de escolher alguns poucos indivíduos e famílias.
E ainda mais : aclamaremos, vibrantes, o dia quando extinguir-se-ão todos os movimentos sem terra....O dia em que a sociedade, os políticos e os administradores reconhecerem, por completo, o direito à terra a qualquer brasileiro ou brasileira que nela pretender trabalhar e viver, e o dia em que as leis regulamentarem adequadamente este direito.
Destas realidades e conceitos depreende-se a intenção deste 2º argumento : os sem-terra acampados, sejam eles indivíduos, famílias menores ou maiores; os que tem maior, mediana ou menor experiência na agricultura, comprovada ou não, merecem - todos - os seus lotes, com urgência, pois são seres humanos que por um, dois, três ou mais anos estão a sofrer pressões,  privações e humilhações, a saborear desesperanças, a conviver com o estressamento psicológico da espera no intuito de possuirem sua tão almejada e legítima terra, e na luta por defenderem princípios para uma melhor e completa justiça social.
Eles merecem - todos eles - digníssimos membros o cumprimento de seus desejos e vontades pois, para além de si mesmos, defendem um direito destinado a todos os seres humanos.

GRAÇAS AOS MOVIMENTOS DOS SEM-TERRA
3º Ampliem-se nossas consciências : A quem se deve, em maior grau, a maior parte das leis existentes atualmente que beneficiam a reforma agrária ? A quem se atribuir os assentamentos já concretizados ou em preparação ? A quem mais parabenizar pelos parciais sucessos alcançados, senão aos acampados, que desde há décadas lutam para que os seus direitos sejam ouvidos e as leis a eles referentes sejam aprovadas ? Quem são os pioneiros, que à frente das massas, conseguiram conquistar os assentamentos que aí estão, incluindo o de Pradópolis ?....

OS PODERES DOMINANTES NADA FAZEM SE NÃO HOUVER LUTA
Vós acreditais, escolhidos membros, acatadas parcerias, protetoras prefeituras e caros brasileiros e brasileiras que condencendeis com esta justa causa.... acreditais que sem os movimentos organizados que reclamam por novos direitos e valores; que sem as manifestações e revoluções sociais pacíficas; os políticos, os governos e os poderes econômicos providenciarão, por expontânea vontade, os meios que efetivem estes novos direitos e valores ?....Impossível !!

AS REVOLUÇÕES SANGRENTAS DO PASSADO E AS ATUAIS
A humanidade sempre progrediu movida pelas revoluções, como a história bem o prova. No passado, por revoluções conflitantes e beligerantes, mas nesta nova época, creio firmemente que as revoluções continuarão a movimentar a progressão da sociedade, porém somente aquelas de natureza pacífica, cujas armas são os movimentos sociais, os gritos de reclames, a sensibilidade para se entender os novos tempos, o idealismo, a educação e o conhecimento. Espero que sejais movidos por estas forças e não pelos impulsos retrógrados e egoístas que se findaram no século XX.
Portanto, prezados comissários, proponho-vos designar um número limitado de vagas para "premiardes" os inscritos acampados, como bem o merecem, e direcionar as vagas restantes à seleção dos demais inscritos. Ou, então, deveis dar uma pontuação tão alta, por direito e justiça, aos acampados, a fim de que os mesmos tenham uma maior e dignificada oportunidade de serem desde já assentados.

PROBLEMAS COMPREENSÍVEIS EXISTEM
Problemas entre nós existem, como é normal em toda agregação humana, tanto coletivos, como particulares, mas são problemas compreensíveis, dada a situação especial em que vivemos. São problemas toleráveis como em um campo de exercício da amizade e do entendimento. E, principalmente, são problemas passíveis de educação que os saneie por completo.
Dêem-nos este ensejo, respeitada comissão, a todos nós e, se o desejarem, que condicionem a cessão dos lotes a várias exigências, também justas, de ocupação, para que possamos provar, finalmente, nossas reais intenções de morar e trabalhar na terra, e para que possamos nos tornar dignos deste "prêmio" a que este documento sugere.
Façam isto, senhores e senhoras e alegrem-se por se transformarem, creio, nos primeiros da história a reconhecerem, na prática, o elevado princípio do direito à terra e as lutas pioneiras e profícuas para a conscientização e a conquista deste direito, exercidas pelos acampados desde muitos anos.

São Carlos, meses finais de 2002,

Luiz Antonio Vieira Spinola,
Publicado na internet em : janeiro/2012

OBS : Há um adendo a esta carta que será publicado posteriormente, que trata do princípio da descentralização, imperativo para modelos de assentamentos humanos sustentáveis.




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